sábado, 20 de junho de 2009

GRANDES MATEMÁTICOS - François Viète


François Viète , quando em 1575, Maurolico e Commandino morreram, a Europa Ocidental tinha recuperado a maior parte das principais obras matemáticas da antigüidade agora existentes. A álgebra árabe fora perfeitamente dominada e tinha sido aperfeiçoada, tanto pela resolução das cúbicas e quárticas quanto por um uso parcial de simbolismo; e a trigonometria se tomara uma disciplina independente. A época estava quase madura para rápidos progressos além das contribuições antigas, medievais e renascentistas - mas não completamente.
Há na história da matemática um alto grau de continuidade de um período para o seguinte; a transição da Renascença para o mundo moderno também se fez através de um grande número de figuras intermediárias, das quais consideraremos agora algumas das maisimportantes. Dois desses homens, Galileu Galilei (1564-1642) e Boaventura Cavalieri (1598-1647) vieram da Itália; vários outros, como Henry Briggs (1561-1639), Thomas Harriot (1560-1621), e Wiliam Oughtred (1574-1660) eram ingleses; dois deles, Simon Stevin (1548-1620) e Albert Girard (1590-1633) eram flamengos; outros vieram de vários países - John Napier (1550-1617) da Escócia, Jobst Bürgi (1552-1632) da Suíça, e Johann Kepler (1571-1630) da Alemanha. A maior parte da Europa Ocidental participava agora do desenvolvimento da matemática, mas a figura central e mais magnífica na transição foi um francês, François Viète.
Viète não era matemático por vocação. Na juventude ele estudou e praticou direito, tomando-se membro do parlamento da Bretanha; mais tarde tomou-se membro do conselho do rei, servindo primeiro sob Henrique III, depois sob Henrique IV (Navarra). Foi enquanto servia a esse último, Henrique de Navarra, que teve tanto sucesso ao decifrar as mensagens em códigos do inimigo, ao ponto que os espanhóis o acusaram de ter um pacto com o demônio.
Só o tempo de lazer de Viète era dedicado á matemática, no entanto fez contribuições á aritmética, álgebra, trigonometria e geometria. Houve um período de quase meia dúzia de anos, antes da ascensão de Henrique IV, em que Viète esteve em desfavor, e esses anos ele dedicou em grande parte a estudos matemáticos. Na aritmética, ele deve ser lembrado por seu apelo em favor do uso de frações decimais em lugar de sexagesimal. Em uma de suas primeiras obras, o "Canon-mathematicus'' de 1579, ele escreveu:
"Sexagesimal e múltiplos de sessenta devem ser pouco, ou nunca, usados, e milésimos e milhares, centésimos e centenas, décimos e dezenas, e progressões semelhantes ascendentes e descendentes, usadas freqüentemente ou exclusivamente''.
Nas tabelas e cálculos ele seguiu sua regra e usou frações decimais. Ocasionalmente ele usava uma barra vertical para separar as partes inteiras e fracionárias, como por exemplo quando escreve que o apótema do polígono regular de 96 lados, num círculo de diâmetro 200000 é aproximadamente 99946458,75. O uso de uma vírgula decimal para separatriz é atribuído em geral a G.A. Magini (1555-l6l7), um cartógrafo amigo de Kepler e rival de Galileu como candidato a uma cátedra em Bolonha, em seu "De planis triangulis'' de 1592, também seja a Christopher Clavius (1537-1612), um jesuíta amigo de Kepler, utilizam esta notação numa tabela de senos em 1593. Mas o ponto decimal só se tomou popular quando Napier o usou mais de vinte anos depois.
Conceito de parâmetro.
Sem dúvida foi á álgebra que Viète deu suas mais importantes contribuições, pois foi aqui que chegou mais perto das idéias modernas. A matemática é uma forma de raciocínio, e não uma coleção de truques, como Diofanto possuíra; no entanto a álgebra durante o tempo dos árabes e o começo do período moderno não tinha ido longe no processo de libertação do uso de tratar casos particulares. Não poderia haver grande progresso na teoria da álgebra enquanto a preocupação principal fosse a de encontrar a "coisa'' numa equação com coeficientes numéricos específicos.
Tinham sido desenvolvidos símbolos e abreviações para uma incógnita e suas potências, bem como para operações e a relação de igualdade. M. Stifel (1486 - 1567) tinha ido ao ponto de escrever asas para indicar a quarta potência de uma quantidade incógnita; no entanto não tinha um esquema para escrever uma equação que pudesse representar uma qualquer dentre uma classe toda de equações, dentre todas as quadráticas, por exemplo, ou dentre todas as cúbicas. Um geômetra num diagrama, poderia fazer ABC representar todos os triângulos, mas um algebrista não tinha um esquema correspondente para escrever todas as equações de segundo grau.
Desde os dias de Euclides que letras tinham sido usadas para representar grandezas, conhecidas ou desconhecidas, e Jordanus fizera isso constantemente; mas não havia meios de distinguir grandezas supostas conhecidas das quantidades desconhecidas que devem ser achadas. Aqui Viète introduziu uma convenção tão simples quanto fecunda. Usou uma vogal para representar, em álgebra, uma quantidade suposta desconhecida, ou indeterminada, e uma consoante para representar uma grandeza ou números supostos conhecidos ou dados. Aqui encontramos, pela primeira vez na álgebra, uma distinção clara entre o importante conceito de parâmetro e a idéia de uma quantidade desconhecida.
Se Viète tivesse adotado outros simbolismos já existentes em seus dias, ele poderia ter escrito todas as equações quadráticas na forma única BA2 + CA + D = 0, onde A é a incógnita e B, C e D são parâmetros; mas infelizmente ele só era moderno em alguns aspectos, em outros era antigo e medieval.
A arte analítica.
Sua álgebra é fundamentalmente sincopada e não simbólica, pois embora ele sensatamente adotasse os símbolos germânicos para adição e subtração, e ainda mais sensatamente usasse símbolos diferentes para parâmetros e incógnitas, o resto de sua álgebra consistia de palavras e abreviações.
A terceira potência da quantidade incógnita não era A3, ou mesmo AAA, mas A cubus, e a segunda potência era A quadratus. A multiplicação era denotada pela palavra latina "in'', a divisão pela barra de fração, e para a igualdade Viète usava uma abreviação para a palavra latina a "equalis''. Não é dado a um só homem fazer toda uma dada transformação; ela deve vir em passos sucessivos.
Um dos passos além da obra de Viète foi dado por Harriot quando reavivou a idéia que Stifel já tivera de escrever o cubo da incógnita como AAA. Essa notação foi usada sistematicamente por Harriot em seu livro póstumo intitulado - "Artis Analyticae Praxis'' -. e impresso em 1631. Seu título tinha sido sugerido por uma obra anterior de Viète, que não gostava da palavra árabe álgebra.
Ao procurar uma outra palavra, Viète observou que em problemas envolvendo a "cosa'' ou quantidade incógnita geralmente se procede do modo que Pappus e os antigos haviam descrito como análise. Isto é, em vez de raciocinar a partir do que é conhecido para o que se deve demonstrar, os algebristas invariavelmente raciocinavam a partir da hipótese que a incógnita foi dada, e deduziam uma conclusão necessária da qual a incógnita pode ser determinada.
Em símbolos modernos, se queremos resolver x2 - 3x + 2 = 0, por exemplo, partimos da premissa de que existe um valor de x que satisfaz á equação; dessa hipótese tiramos a conclusão necessária que (x - 2)(x -1) = 0 de modo que está satisfeita (x - 2) = 0 ou (x - 1) = 0 (ou ambas as coisas), logo que necessariamente x é 2 ou 1.
No entanto, isso não significa que um, ou ambos, desses números satisfazem a equação a menos que se possa inverter os passos do desenvolvimento do raciocínio. Isto é, a análise deve ser seguida de demonstração sintética.
Tendo em vista o tipo de raciocínio tão freqüentemente usado na álgebra, Viète denominou o assunto "a arte analítica''. Além disso, ele percebia claramente o largo alcance do assunto, vendo que a quantidade desconhecida não precisava ser nem número nem segmento de reta. A álgebra raciocina sobre "tipos'' ou "espécies'', por isso Viète estabeleceu contraste entre logística especiosa
1 '' e "logística numerosa''. Sua álgebra foi exposta na "Isagoge'' (ou Introdução), impressa em 1591, mas suas várias outras obras sobre álgebra só apareceram vários anos após sua morte.
Em todas ele conservou um princípio de homogeneidade nas equações, de modo que numa equação como x3 +3ax = b, onde a é designado como "planum'' e b como "solidum''. Isso sugere uma certa inflexibilidade, que Descartes removeu uma geração mais tarde; mas a homogeneidade tem também algumas vantagens, como Viète certamente percebeu.
Relação entre raízes e coeficientes.
A álgebra de Viète merece atenção pela generalidade de sua expressão, por exemplo, Viète sugeriu um novo modo de resolução equações cúbicas. Depois de reduzi-las à forma padrão equivalente x3 +3ax = b, ele introduziu uma nova quantidade desconhecida y relacionada com x pela equação y2 + xy = a. Isso transforma a cúbica em x numa equação quadrática em termos de y3, cuja solução se obtém facilmente. Além disso, Viète percebia algumas das relações entre raízes e coeficiente de uma equação, embora fosse prejudicado por sua recusa em aceitar coeficientes ou raízes negativos. Ele percebia, por exemplo, que se x2 + b = 3ax tem duas raízes positivas, x' e x'', então 3a = x'2 + x'x'' + x''2 e b = x'x''2 + x'' x2. Isso, é claro, é um caso particular de nosso teorema que diz que:
"o coeficiente do termo em x, numa cúbica com primeiro coeficiente um, é a soma dos produtos das raízes tomadas duas a duas, e o termo constante é o oposto do produto das raízes''.
Em outras palavras, Viète chegou perto das funções simétricas das raízes na teoria das equações. Coube a Girard em 1629, em "Invention nouvelie en l'algèbre'', enunciar claramente as relações entre raízes e coeficientes, pois ele admitiu raízes negativas e imaginárias, ao passo que Viète reconhecia apenas as raízes positivas. De um modo geral Girard percebia que as raízes negativas são orientadas em sentido oposto ao dos números positivos, antecipando assim a idéia de reta numérica, ele disse:
"O negativo em geometria indica um retrocesso, ao passo que o positivo é um avanço''.
Parece que a ele também se deve a percepção de que uma equação pode ter tantas raízes quanto indica o grau da equação. Girard conservou as raízes imaginárias das equações porque elas exibem os princípios gerais na formação de uma equação a partir de suas raízes.

1.- Especioso: (a) De aparências enganadoras; ilusório, enganoso. (b) Que, com aparência de

verdade, induz em erro.